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Foi um som estranho que chamou a sua atenção, era metálico, parecido ao das ferramentas dos operários da fábrica. Mas não era duma ferramenta que provinha aquele barulho esquisito. Já o tinha ouvido noutras ocasiões e imediatamente soube que algo de muito mau estava preste acontecer: era o som duma arma a ser carregada.
Olhou para o portão e viu que um grupo de homens com tochas nas mãos, tinham invadido a propriedade. Não havia tempo para acordar a família. Tinha que os deter antes de chegarem à casa. Correu na direcção dos intrusos e quando estava prestes alcança-los alguém gritou:
Cuidado!- E disparou…
A bala perfurou a pele. Com o impacto rolou pelo chão e a dor fe-lo perder os sentidos.
Acordou com a conversa de dois homens ao pé de si.
- Ainda está vivo. Dá cabo dele!
- Espera, podemos acordar os vizinhos.
Voltou a perder os sentidos, só os recuperou quando sentiu que mergulhava numa água fria e escura. Levou alguns instantes até chegar à superfície e compreender onde se encontrava: estava no poço!
Sabia que com os ferimentos que tinha não conseguiria manter-se à tona durante muito tempo. Procurou algo a que se segurar e felizmente encontrou a ponta duma pedra, que sobressaía da parede como um pequeno degrau.
Chamou, mas ninguém o podia ouvir. Escutou gritos e sentiu um cheiro intenso. Era fumo. Compreendeu que a casa e a fábrica estavam a arder e gritou de raiva por não poder ajudar a sua família. Se não estivesse ferido com certeza que conseguiria sair daquele buraco. Não havia na quinta vedação que lhe resistisse. Mas assim ferido não tinha a mínima hipótese de sair.
Voltou a chamar...
Passou o resto da noite num verdadeiro suplicio. Soube que era dia pela claridade na entrada do poço. As dores eram cada vez mais fortes e por vezes perdia a consciência.
Gritou, mas o som da sua voz foi abafado pela sirene dos bombeiros.
Estava a desfalecer e compreendeu que tinha que fazer alguma coisa. Se não saísse dali acabaria por afogar-se. Juntou as forças que ainda lhe restavam e conseguiu equilibrar-se no pequeno degrau. Olhou e viu mais acima uma saliência à qual se poderia segurar, se pudesse chegar até ela. Para o conseguir teria de saltar.
O salto provocou uma chicotada que percorreu todo o seu corpo a partir da ferida.
Bateu com a cabeça na parede, não conseguiu segurar-se e voltou a mergulhar na água.
Chamou, chamou, chamou, ... até desmaiar.
Entrou numa espécie de estado semiconsciente que antecede a morte, onde a dor, a fome, a febre e o frio misturam-se com as lembranças de toda uma vida. Estava a agonizar.
Não soube ao certo quanto tempo ficou nesse estado. Sentiu uma luz forte nos olhos e viu que o sol já estava bem alto. Mas não acordou por causa do mesmo. Pareceu-lhe, por um momento, ter ouvido passos junto ao poço. Concentrou todos os seus sentidos naquele familiar arrastar dos pés. Não estava enganado, alguém se aproximava.
Gritou, gritou com todas as forças que o seu estado lhe permitia e ouviu antes de voltar a desmaiar:
- Pluto!!
- Acudam, o Pluto está no poço. Rápido que está VIVO!
Blacky von der Scheleuse, aliás Pluto, um cão de raça boxer, propriedade dum casal de empresários alemães foi trazido com eles para Portugal. Em 1975, na sequência dum assalto, Blacky sobreviveu a uma bárbara agressão. Foi baleado e atirado a um poço onde teve que lutar pela sua vida durante muitas horas.
Os seus donos perderam a casa e a fábrica dos quais eram proprietários, mas milagrosamente conseguiram recuperar um dos exemplares que mais aportou à criação boxerista em Portugal.
Blacky foi o pai de três ninhadas do afixo Vallée D'Oulja, onde é preciso destacar os campeões Azziz, Ain, Andir e Djinn de la Vallée D'Oulja. A mãe destas ninhadas foi Wachtel von Barruck. Ao longo de 40 anos, exemplares descendentes do Blacky e Wachtel foram criados com os afixos da maioria dos criadores portugueses.
A seguinte imagem é de Ch. Ain de la Vallée D'Oulja, provavelmente a mais conhecida dos seus filhos.